Crónicas

 Crónicas do Clube para a UNESCO Livraria + Kairos




A via do design +

A tecnologia acompanha a humanidade desde os seus primórdios, sendo um elemento fundamental que molda a forma como nos relacionamos com o mundo, com nós próprios e entre nós. Contudo, para para além da sua dimensão técnica e prática, importa expandir o entendimento da tecnologia, integrando não só os aspectos científicos e técnicos, mas também a dimensão filosófica, poética, espiritual e ética, num quadro que transcenda o modelo civilizacional vigente e seja capaz de abraçar a diversidade cultural e a sustentabilidade planetária. Esta reflexão integrada permite pensar a tecnologia, não apenas como ferramenta utilitária, mas como expressão profunda das nossas relações com a natureza, a cultura e o futuro.

Desde as primeiras ferramentas de pedra e o domínio do fogo, a tecnologia foi condição essencial para a sobrevivência da nossa espécie, permitindo ampliar o alcance das nossas capacidades e oferecer respostas concretas às necessidades básicas. Na atualidade, com uma população mundial que ultrapassa os oito mil milhões de pessoas, a importância da tecnologia torna-se ainda mais clara e indispensável. Sistemas agrícolas complexos, cuidados de saúde avançados, saneamento, transportes e comunicações são vitalmente necessários para garantir o bem-estar e a continuidade da vida em larga escala. Porém, a dependência das tecnologias não deve implicar uma adesão acrítica ou indiscriminada ao progresso técnico, pois é essencial questionar quais as tecnologias que realmente desejamos e quais os valores que as devem formar, para que sirvam a dignidade humana e a vida no planeta de forma sustentável.

Uma ideia muitas vezes errada é considerar a simplicidade e a tecnologia como conceitos antagónicos. Na realidade, várias das tecnologias mais eficazes e transformadoras são, simultaneamente, simples, acessíveis e funcionais. Exemplos claros dessa "tecnologia apropriada" são sistemas tradicionais de irrigação, fogões que economizam combustível, filtros de água e outros dispositivos que, apesar da sua simplicidade técnica, respondem eficazmente a necessidades sociais e ambientais. Ao privilegiar soluções adaptadas às realidades locais, a tecnologia apropriada evita a sobrecomplexidade, o consumismo desenfreado e a dependência desnecessária de sistemas sofisticados que nem sempre são sustentáveis ou inclusivos. Sob este prisma, a simplicidade torna-se um atributo de uma tecnologia ética, humana e resiliente, capaz de promover a equidade e o cuidado com o meio ambiente.

Esta relação entre ciência, tecnologia, simplicidade e poesia pode ainda ser iluminada pela obra de António Gedeão, em que a ciência se une à beleza e ao encantamento do mundo, rejeitando a ideia de que o conhecimento científico destrói o imaginário poético. Gedeão representa uma síntese onde o olhar científico enriquece a experiência estética e existencial, propondo uma visão da tecnologia que não é fria nem desumana, mas uma maneira de captar a maravilha dos fenómenos naturais e humanos. A pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico, sob esta perspetiva, são parte integrante da dimensão humana do espanto e da admiração perante o cosmos.

Porém, esta harmonia não é uma verdade unívoca no universo literário e filosófico português. Fernando Pessoa, através dos seus heterónimos, representa a fragmentação e a multiplicidade da experiência humana e do conhecimento, criando vozes distintas e até opostas. Álvaro de Campos expressa o espanto intenso, a inquietação e a angústia típica

 da modernidade, com o seu ritmo acelerado e caótico, enquanto Alberto Caeiro, considerado mestre de todos, defende a simplicidade, a aceitação pura e direta da natureza tal como ela é, sem racionalizações ou complicações. A poesia de Caeiro é um convite a viver o instante e a realidade sensorial sem interpretar excessivamente, uma verdadeira sabedoria que contrasta com a complexidade angustiada de Campos.

Este contraste entre o espanto e a simplicidade desperta uma profunda reflexão sobre a nossa relação com a tecnologia e a modernidade. Num mundo caracterizado por uma sobredose de informação, inovação constante e fluxos acelerados, a simplicidade assume o papel de um porto e um fundamento para a criação de sentido, equilíbrio e sustentabilidade. Ultrapassar a fragmentação e promover uma síntese equilibrada entre estas forças é fundamental para enfrentar os desafios contemporâneos. Esta síntese não exige uniformizar as diferenças, mas antes fomentar um diálogo frutuoso entre a complexidade do mundo moderno e a clareza essencial da experiência natural, permitindo que ambas coexistam e se potenciem.

No plano prático, esta síntese encontra expressão na “tecnologia da simplicidade”, que se materializa sobretudo através do design. O design é um processo criativo e estratégico, capaz de transformar necessidades e desafios complexos em soluções acessíveis, funcionais, sustentáveis e éticas. Um design eficaz elimina o excesso e o desnecessário, valorizando a eficiência e a adequação ao contexto, promovendo tecnologias que não só resolvem problemas, mas também respeitam a diversidade cultural e ambiental. Apesar das suas raízes no paradigma tecnológico ocidental, o design contemporâneo tem vindo a afirmar-se como uma metodologia integradora, que respeita saberes locais, tradições ancestrais e dimensões espirituais, criando uma abordagem antropológica que conecta o micro e o macro, o individual e o global.

É exatamente nesta capacidade integradora que o design revela a sua força como metodologia antropológica: uma ferramenta que aceita e trabalha a complexidade da experiência humana em toda a sua diversidade, ao mesmo tempo que procura a simplicidade funcional e estética. O design, assim, pode ser encarado como a ponte entre a ciência e a técnica, a espiritualidade e a prática social, traduzindo uma visão ampliada da tecnologia que atende às múltiplas dimensões do existir humano.

Mas é ainda preciso ir além, ampliando a perspetiva para abarcar a crítica a um modelo civilizacional ocidental-industrial hegemónico que tem conduzido a tecnologia predominantemente para funções de crescimento económico e consumo expansivo, negligenciando as questões espirituais, éticas e culturais. Uma visão descentrada reconhece a pluralidade epistemológica e cultural, destacando que a tecnologia também emerge de saberes indígenas, tradicionais e comunitários, que valorizam a ligação harmoniosa entre o ser humano e o ambiente natural, assim como a dimensão espiritual e simbólica das técnicas. Esta diversidade tecnológica não é apenas uma questão de inclusão cultural, mas uma necessidade para construir um futuro sustentável onde o respeito pela natureza e pela vida simbólica sejam pilares estruturais.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU trazem ao centro deste debate uma abordagem sistémica e holística que visa garantir que a tecnologia contribua para a justiça social, a inclusão e a proteção ambiental. A inovação tecnológica entendida a partir dos ODS deve ser direcionada para assegurar o acesso igualitário, respeitar os direitos humanos e assumir um compromisso profundo com os limites planetários. Tecnologias regenerativas, que promovam economias circulares, restaurem os ecossistemas e valorizem a diversidade cultural e biológica, alinhando-se com princípios éticos e espirituais, são imperativos para a concretização destes objetivos globais.

A espiritualidade tecnológica, nesse contexto, surge como uma dimensão essencial que nos convida a uma prática consciente e ética da tecnologia. Mais do que meros instrumentos, os artefactos e sistemas tecnológicos são extensões das nossas intenções, desejos e valores. Reconhecer esta ligação é fundamental para cultivar o respeito pela vida e assumir a responsabilidade ética no modo como criamos e utilizamos tecnologia. Esta nova espiritualidade tecnológica implica uma relação de reverência e cuidado com a criação, que é fundamento para uma coexistência sustentável e digna entre seres humanos e o planeta.

Em síntese, a tecnologia, à luz desta visão integrada e abrangente, deve ser entendida não só como um meio para resolver problemas práticos, mas como uma expressão do nosso compromisso ético, filosófico e espiritual com a vida. A tecnologia da simplicidade, aplicada através do design inteligente e inclusivo, traduz essa síntese de saberes e valores, conectando ciência, arte, tradição e inovação numa visão holística e humanista.

Este é o desafio e o convite deste tempo: repensar a tecnologia e o progresso como instrumentos para cultivar sabedoria, beleza, equilíbrio e dignidade, antecipando um futuro onde a convivência entre pessoas, culturas e natureza se processe em harmonia. Uma civilização que se inspire na simplicidade sábia dos mestres, enriquecida pela complexidade criativa do conhecimento e pela diversidade dos saberes, poderá construir um mundo que seja simultaneamente tecnológico, humano e espiritual, capaz de acolher a totalidade da experiência e construir uma história civilizacional sólida e com sentido.

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A indispensabilidade da tecnologia para a sobrevivência humana moderna está ligada à sua complexidade e abrangência.

A tecnologia simples, funcional e apropriada promove inclusão social, sustentabilidade e equidade.

António Gedeão evidencia a união entre ciência, tecnologia e poesia na experiência humana.

Fernando Pessoa, pelos seus heterónimos, confronta a fragmentação e destaca a sabedoria da simplicidade.

A síntese entre complexidade e simplicidade permite superar a fragmentação existencial.

O design, apesar de suas raízes ocidentais, é uma metodologia integradora que conecta as várias dimensões da experiência humana.

A visão descentrada reconhece múltiplos saberes e práticas tecnológicas para além do paradigma industrial hegemónico.

Os ODS contextualizam a tecnologia como instrumento para justiça social e sustentabilidade planetária.

A espiritualidade tecnológica fomenta uma relação ética, consciente e respeitadora no uso da tecnologia.

Isabel Prata Coelho
28/08/2025

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Reinserção Social

A inserção e reinserção social são processos decisivos para a construção de sociedades democráticas, justas e sustentáveis, centradas na dignidade humana e nos direitos fundamentais. Enquanto a inserção social visa integrar indivíduos em risco ou vulnerabilidade nas dinâmicas sociais, económicas e culturais, a reinserção social concentra-se na recuperação daqueles que foram afastados ou marginalizados — seja por encarceramento, dependências, pobreza extrema ou situação de sem-abrigo. Estes processos são complementares e essenciais para o desenvolvimento social, económico e cultural sustentável. De acordo com a perspetiva do desenvolvimento sustentável, inserção e reinserção social assumem um papel transversal, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, sobretudo na erradicação da pobreza, na redução das desigualdades, na promoção da saúde e da educação inclusiva, na igualdade de género e na criação de oportunidades de trabalho digno. Portugal, inserido na União Europeia e na comunidade internacional, tem adaptado as suas políticas sociais à evolução dos contextos sociais, privilegiando estratégias integradas, inovadoras e participativas.

Conceitualmente, a inserção social é o processo que assegura a inclusão efetiva de indivíduos vulneráveis, garantindo o acesso universal a direitos, à participação comunitária e ao apoio social necessário para a autonomia económica e social. A reinserção social é vista como um processo de vinculação ativa com o meio social, após um período de exclusão ou crise, visando a reconstrução de uma identidade social positiva, de relações interpessoais e da autonomia pessoal e económica. Estes processos fundamentam-se nos princípios universais dos direitos humanos, conforme explicitado em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Estes valores éticos devem sustentar todas as políticas e práticas de inclusão, visando combater a exclusão e a estigmatização.

No âmbito preventivo, a inserção social prioriza a atuação sobre causas estruturais da exclusão social, como a precariedade habitacional, a pobreza, o desemprego, a deficiência e a discriminação. Programas de combate ao abandono escolar, capacitação profissional regionalizada, acesso à saúde e à educação universal e promoção de redes de apoio comunitário são práticas eficazes e recomendadas. À escala internacional, destaca-se o modelo “Housing First”, que assegura a disponibilização imediata de habitação permanente a pessoas em situação de sem-abrigo, seguida do apoio social integrado, tendo sido implementado com sucesso em Portugal.

A educação, enquanto instrumento prévio à prevenção da exclusão, tem um papel central na promoção de valores de inclusão, cidadania e respeito pela diversidade, indispensáveis para construir comunidades resilientes e inclusivas. Do lado curativo, a reinserção social requer uma abordagem holística e personalizada, que englobe aspetos psicológicos, sociais, económicos e de saúde. A habitação transitória é componente fundamental para assegurar estabilidade, permitindo o acesso continuado a cuidados médicos e sociais. A inclusão laboral surge como o eixo central para a autonomia e participação social, apoiada por programas de formação adaptados, apoios à empregabilidade, combate à discriminação e estratégia para reduzir vulnerabilidades psicossociais, nomeadamente a saúde mental.

Estas ações encontram correspondência em vários ODS, como o 1 (erradicação da pobreza), 3 (saúde e bem-estar), 4 (educação), 5 (igualdade de género), 8 (trabalho) e 10 (redução das desigualdades). O debate atual contempla a proposta de um ODS 19, dedicado especificamente à inclusão social e laboral dos grupos vulneráveis, reconhecendo a complexidade das suas necessidades e o papel fundamental que desempenham no desenvolvimento sustentável.

A eficácia das políticas de inserção e reinserção exige ainda uma estrutura institucional organizada e multidisciplinar que articule os vários setores (saúde, educação, habitação, trabalho e justiça), promovendo a participação social e a personalização dos apoios, com uma forte componente comunitária e de combate ao estigma. A formação contínua de profissionais e a avaliação rigorosa por indicadores alinhados com os ODS permitem melhorar a transparência, a eficiência e o impacto destas políticas.

Portugal apresenta um percurso de transformação nas políticas sociais, desde abordagens paternalistas e assistencialistas, mas também controladoras e punitivas, preponderantes durante o Estado Novo, até ao reconhecimento constitucional dos direitos sociais e a adoção progressiva de modelos integrados centrados na dignidade humana, implementadas após o 25 de Abril de 1974. A recentemente implementada Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA) é um exemplo concreto desses avanços. Contudo, o aumento da população em situação de sem-abrigo — que duplicou nos últimos anos, passando de 6.044 em 2018 para 13.128 em 2023 — continua a representar um desafio maior, exigindo medidas abrangentes e continuadas. Em 2025, o Rendimento Social de Inserção (RSI) foi atribuído a cerca de 174.658 pessoas, apesar de uma ligeira redução face ao ano anterior e do agravamento das condições sociais.

O país dispõe de recursos importantes, como o inquérito do ICS-ULisboa publicado sob forma de livro “Sustentabilidade” (2020) e outras obras de referência que abordam a multidisciplinaridade e inovação nas políticas sociais. Projetos inovadores locais, como o “Barakat Leiria” e o “Eco Gira”, que combinam sustentabilidade ambiental com inclusão social, exemplificam abordagens promissoras.

No entanto, as condições políticas atuais, num contexto nacional e internacional, apresentam severas contradições. O avanço na implementação de políticas inclusivas esbarra em tendências individualistas, neoliberais e formas extremistas, fragilizando apoios sociais, direitos laborais e redes de proteção social. Em Portugal, a desregulação do trabalho, cortes em apoios sociais e políticas migratórias restritivas são sinais evidentes dessas dificuldades. Para responder a este quadro complexo é fundamental que se fortaleçam os movimentos sociais progressistas, a academia, o apoio à imigração mais segura, com contratos de trabalho e possibilidade de reunião familiar, o setor privado ético e a sociedade civil organizada, promovendo ações de pressão, inovação e mobilização coletiva. É crucial que haja uma ampliação da participação cidadã e uma comunicação social inclusiva que ultrapasse a fragmentação, promovendo um diálogo construtivo com vista a consensos sólidos.

A educação para os direitos humanos e a solidariedade social deve ser reforçada para consolidar um compromisso ético coletivo, enquanto os investimentos em monitorização e transparência garantirão a eficácia e a responsabilização das políticas públicas. Por fim, as atuais tensões políticas e sociais, apesar das dificuldades, podem gerar oportunidades para renovação democrática e fortalecimento dos direitos sociais, desde que haja um esforço articulado e contínuo de múltiplos atores. O caminho para atingir os ODS e a plena inserção social será complexo, com avanços e recuos, mas a necessidade inequívoca de transformação social justa e sustentável afirma a esperança numa mudança possível e necessária.

Isabel Prata Coelho
16/10/2025

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Algas Kelp na Praia da Parede

A Praia da Parede, na freguesia da Parede, município de Cascais, destaca-se há mais de um século pelas suas propriedades terapêuticas, especialmente no tratamento de doenças ósseas e na reabilitação física. Esta fama deve-se à combinação única entre a sua geologia, biologia marinha e microclima, que criam condições ideais para a promoção da saúde humana. Desde o final do século XIX, a praia é conhecida pelo seu microclima benéfico, que favorecia a recuperação da tuberculose óssea, o que levou à construção, no início do século XX, de um sanatório ortopédico que hoje integra o Polo Hospitalar de Santana e o Novo Hospital de Cascais. O iodo presente nas águas e a exposição solar sobre as rochas calcárias margosas contribuem para as ações terapêuticas que atraem pacientes e visitantes.

Embora a praia não seja muito apropriada para banhos, especialmente na maré baixa, devido à presença extensa de rochas, essas plataformas rochosas funcionam como solários naturais, facilitando a absorção do iodo essencial para a saúde óssea. Além disso, a argila acumulada nestas rochas é valorizada pelas suas propriedades medicinais, utilizadas em tratamentos cutâneos e articulares.

Um dos maiores valores da zona reside nas algas Kelp, que proliferam nas águas da praia. Estas grandes algas, de cor entre castanho-claro e castanho-esverdeado, formam florestas subaquáticas ricas em minerais como iodo, cálcio, magnésio e ferro, além de conterem vitaminas, aminoácidos essenciais e fitoquímicos de ação antioxidante, anti-inflamatória e imunomoduladora. Esses compostos fortalecem o sistema imunitário, combatem inflamações e promovem a regeneração celular, reforçando o valor terapêutico das águas da Praia da Parede.
Avanços na biologia quântica têm permitido compreender melhor os efeitos profundos dos compostos bioativos destas algas ao nível molecular. Processos quânticos, como alterações no spin de partículas, reações de oxirredução e ressonâncias energéticas celulares, influenciam mecanismos biológicos cruciais, optimizando a função enzimática, os canais iónicos e os sistemas antioxidantes, ao mesmo tempo que modulam respostas inflamatórias e regenerativas. Assim, a ação das algas não é apenas química, mas também energética e informacional, o que explica a sua eficácia terapêutica.

A geologia da praia, rica em calcário margoso, cria substratos estáveis e plataformas ideais para o crescimento das Kelp. A hidrodinâmica local, com marés semi-diurnas, favorece a circulação e oxigenação das águas, assegurando a vitalidade deste ecossistema. O microclima, caracterizado pela exposição solar intensa, temperaturas moderadas e baixa poluição atmosférica, contribui para a síntese natural da vitamina D e para a inalação de ar iodado, reforçando o efeito terapêutico.

Perto da Praia da Parede situa-se a Praia das Avencas, classificada como Zona de Interesse Biofísico e Área Marinha Protegida. Embora não partilhe o valor terapêutico direto da Praia da Parede, é essencial para a biodiversidade marinha, com cerca de 137 espécies identificadas que utilizam a zona como refúgio e local de reprodução. Esta complementaridade entre as duas praias reforça o equilíbrio ecológico da região, assegurando a saúde das florestas de Kelp e a continuidade das propriedades terapêuticas da Praia da Parede.

Entretanto, o ecossistema enfrenta uma ameaça grave: a invasão da alga asiática Rugulopteryx okamurae, que compete agressivamente com as algas nativas, alterando o habitat marinho. Esta espécie invasora compromete a biodiversidade e diminui a qualidade das águas, afetando diretamente a manutenção das propriedades terapêuticas do local.

Para responder a este problema, o município de Cascais promove uma campanha diária de remoção da alga invasora, apesar do seu elevado potencial de expansão. Paralelamente, decorrerão projetos de replantação das algas Kelp, coordenados por universidades e entidades científicas, que envolvem o cultivo laboratorial e o transplante controlado nas rochas da praia. A fixação das algas diretamente nas plataformas rochosas é essencial para preservar o ecossistema e garantir a manutenção das propriedades terapêuticas, assegurando a recuperação da floresta marinha.

O Clube Unesco Livraria+Kairos, dedicado a estudos interdisciplinares e atividades promotoras da transição para o Desenvolvimento Sustentável, sediado na Parede e com enquadramento institucional na Oficina de Desenho, em Cascais, propôs-se à entidade técnico-científica responsável pelos projetos de replantação das algas Kelp a ter uma ação sinérgica neste domínio. O projeto visa articular grupos de voluntários de várias idades que, após uma formação breve mas adequada, poderão desenvolver atividades de proteção e regeneração deste ecossistema, contribuindo para a manutenção das suas qualidades terapêuticas únicas e para uma experiência de grande valor no âmbito da Educação Ambiental.

Assim, a Praia da Parede constitui um exemplo da importância da sinergia entre ecologia, geologia, biologia molecular e processos energéticos na conservação ambiental e no bem-estar humano. Esta praia ilustra como a combinação singular das algas Kelp, do microclima iodado, do substrato rochoso e da exposição solar cria um ambiente terapêutico reconhecido há décadas. Contudo, as atuais ameaças exigem ação conjunta de cientistas, autarcas e população, com o Clube Unesco Livraria+Kairos a desempenhar um papel sinérgico na preservação e recuperação deste património natural ímpar, reafirmando tanto o valor ecológico quanto o terapêutico do local.

Ao unir o saber tradicional aos avanços da biologia quântica, compreende-se a profundidade e o alcance das propriedades terapêuticas da Praia da Parede, cuja recuperação das algas Kelp representa a preservação vital destes sistemas para a saúde da natureza e das pessoas.

Importa referir que este esforço de recuperação destas algas integra já um plano mais amplo de conservação ao longo da costa portuguesa, especialmente em zonas afastadas da rebentação das ondas, que visa restaurar até 2030 as florestas marinhas de Kelp. Estas têm um papel fundamental no ecossistema marinho, funcionando como sumidouros naturais de carbono muito mais eficientes do que as florestas terrestres, promovendo a recuperação dos habitats e dos serviços ecossistémicos relacionados com a saúde humana e ambiental — nomeadamente pela sua contribuição para mitigar as alterações climáticas resultantes do aquecimento global, provocado sobretudo pela pecuária intensiva e pela queima de combustíveis fósseis.

Isabel Prata Coelho
18/10/2025

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Economia Verde e Circular


História das Ideias Económicas e Surgimento da Economia Verde

A economia verde, também designada por economia ecológica, constitui um paradigma fundamental para a articulação do desenvolvimento económico com a conservação ambiental e a justiça social, inserindo-se no escopo mais amplo do desenvolvimento sustentável. Este modelo surge da crescente consciência das limitações físicas do planeta e das profundas desigualdades sociais, propondo uma transformação estrutural dos sistemas económicos para harmonizar sustentabilidade ecológica, inclusão social e prosperidade equilibrada. 

Historicamente, os sistemas económicos centraram-se no paradigma do crescimento ilimitado, influenciado por pensadores clássicos, como Adam Smith, que privilegiaram os mercados livres e a acumulação de capital. Para estes modelos, a natureza era vista como um recurso abundante e inesgotável, desconsiderando o impacto cumulativo do crescimento sobre os ecossistemas. A revolução industrial acelerou este processo, gerando um ciclo produtivo e consumista que tem hoje sérias consequências ambientais. 

Foi sobretudo no século XX que a consciência sobre os limites do crescimento se instabilizou no pensamento económico e social. Desastres ambientais e reportagens científicas revelaram a insustentabilidade do modelo estabelecido. O relatório “Limites ao Crescimento”, do Clube de Roma, em 1972, assinalou que os sistemas planetários não permitem o crescimento económico e populacional exponencial de modo indefinido sem risco de colapso ecológico. O movimento ambientalista que se seguiu pressionou para a inclusão das preocupações ambientais na agenda pública. 

A Comissão Brundtland, no relatório “Nosso Futuro Comum” de 1987, definiu formalmente o desenvolvimento sustentável — para satisfazer as necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras. Este conceito tornou-se a base para as políticas globais, dando origem à economia verde que visa sintetizar o crescimento económico, a justiça social e a sustentabilidade ambiental. 
Neste contexto, a economia verde assume-se como uma proposta de reorganização dos processos produtivos, comércio e políticas públicas, de modo a garantir uma relação equilibrada entre as dimensões económica, social e ambiental, afastando-se do modelo linear que justificava a exploração infindável dos recursos. 

Funções da Economia Verde e Transição Sistémica 

A economia verde abrange múltiplas funções, refletindo a sua natureza holística. Entre as suas principais funções destacam-se a promoção do uso sustentável de recursos naturais, a mitigação das alterações climáticas, a promoção da inclusão social e a estimulação da inovação tecnológica. 
No que concerne aos recursos naturais, a economia verde propõe a sua utilização racional, garantia da regeneração dos ecossistemas e valorização dos serviços ambientais — a 
purificação do ar, regulação da água e conservação da biodiversidade. Isto implica uma transição energética para fontes renováveis e eficiência energética que reduzam a dependência dos combustíveis fósseis. 

A promoção da justiça social é igualmente fulcral, assumindo que o crescimento económico não deve beneficiar apenas um segmento restrito da população, mas sim diminuir as desigualdades, criar empregos verdes e assegurar o acesso a necessidades básicas. Esta finalidade exige reformas integradas nas políticas sociais e económicas que incluam educação ambiental e participações comunitárias. 

O estímulo à inovação tecnológica sustentável traduz-se na promoção da investigação e desenvolvimento de soluções que minimizem impactos ambientais e maximizem a circularidade dos recursos. Estes avanços tecnológicos são essenciais para criar alternativas aos modelos tradicionais e para aumentar a eficiência económica. 

Para concretizar esta transformação, são necessárias reformas a nível político, económico e social. Estas incluem a adoção de políticas públicas que regulamentem a proteção ambiental, introduzam instrumentos fiscais verdes como impostos sobre a poluição e incentivem práticas inovadoras. A mobilização financeira para projetos sustentáveis e a implementação dos critérios ESG nas decisões de investimento são também imperativos. 

Culturalmente, é essencial reforçar a educação e consciencialização ambiental para capacitar cidadãos e consumidores a adotar estilos de vida responsáveis, fomentando mudança de hábitos e participação social. 

Economia Circular, Design e Economia Donut 

No centro da economia verde, destaca-se a economia circular como modelo regenerativo e revolucionário. Face ao tradicional sistema linear de “extrair-produzir-consumir-descartar”, a economia circular propõe um sistema em que materiais e produtos circulam continuamente, prolongando o ciclo de vida dos recursos, reduzindo resíduos e descongestionando a pressão sobre o meio ambiente. 

Inspirada nos processos naturais, que funcionam através de ciclos onde nada se perde, esta abordagem promove a reutilização, reciclagem, recuperação e regeneração como princípios fulcrais. O sucesso da economia circular depende, em grande parte, do design dos produtos, no qual o design circular assume importância estratégica. 

O design circular implica conceber produtos com durabilidade, reparabilidade e reutilização em mente, permitindo que sejam desmontados, atualizados ou reciclados. Por isso, o design integra questões técnicas, estéticas e ambientais, promovendo a colaboração entre designers, engenheiros, fabricantes e consumidores para desenvolver soluções sustentáveis. 

A imagem da Economia Donut, criada pela economista Kate Raworth, fornece uma representação gráfica poderosa que sintetiza a ambição da sustentabilidade integral. O “donut” é composto por um limite social que garante um nível mínimo de vida digno a todos 

e um limite ambiental que representa os limites planetários intransponíveis. A área entre estes limites é o espaço onde a economia deve operar para assegurar prosperidade justa e sustentável. 

A economia circular situa-se dentro deste espaço seguro do donut, promovendo modelos económicos que operam respeitando os limites ambientais e promovem a equidade social. Assim, o design consciente e a circularidade tornam-se instrumentos centrais para criar economias mais resilientes, inovadoras e justas. 

A COP 25-30 em Belém e o Futuro da Economia Verde 

As Conferências das Partes (COPs) da Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima são o principal fórum internacional onde a humanidade debate soluções para o aquecimento global. A COP 25-30, que terá lugar em Belém no próximo mês, surge como um evento crítico para acelerar compromissos e traduzir-os em ações concretas no combate às mudanças climáticas. 

Esta conferência enfrenta expectativas elevadas, destacando-se o reforço dos compromissos nacionais de redução de emissões para alcançar a neutralidade carbónica até 2050, a mobilização de fundos para adaptar os países mais vulneráveis e a proteção da floresta amazónica, vital para a captura de carbono. 

Paralelamente, a COP em Belém tem ainda o desafio de integrar o setor privado e a sociedade civil, promovendo parcerias e diálogos que potencializem a implementação de práticas verdes. Enfatiza-se também a necessidade da justiça climática, que garante o direito e a voz das populações indígenas e marginalizadas na transição energética e social. 

Diversos países e comunidades já evidenciam a viabilidade da economia verde: Portugal publicou metas ambiciosas de energia renovável; dinamarqueses apostam na energia eólica; Costa Rica evidencia compromisso com conservação ambiental; comunidades locais combinam saberes tradicionais com sustentabilidade. 

A mudança exige cooperação global, inovação e compromisso político e social, pois a economia verde representa uma oportunidade única para reorientar o sistema socioeconómico, garantindo um futuro sustentável e equitativo. A COP 25-30 em Belém marca um momento decisivo para que palavras se convertam em ações, consolidando um caminho que respeite o planeta e as pessoas. 

Isabel Prata Coelho
21/10/2025

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